sexta-feira, 4 de junho de 2010


Quando eu era criança queria ser atriz, adolescente e até pouco tempo ainda queria. É estranho, ainda sinto a responsabilidade de acordar cedo colocar o uniforme e ir pra aula, encontrar os comuns e velhos amigos de todos os dias e simplesmente aprender. Mas não, não estou mais no ensino médio. Não sou mais adolescente por mais estranho que seja dizer isso. Também não sou tão velha, mas já posso dizer que realmente a vida passa muito rápido. E rápidas são tomadas as decisões. Não me arrependo do que faço, adoro ser professora. Não sentia no final de uma peça o que sinto hoje saindo da sala de aula. Uma sensação de estar mudando o mundo aos pouquinhos, que racionalmente parece até meio ridícula, mas é incrivelmente gostosa. Sem contar que todos os dias eu apresento um espetáculo, para as mesmas platéias, o que me leva a me superar dia após dia. Mas nem sempre foi assim.
Lembro a primeira vez que entrei em uma sala de aula pra lecionar. Eram criancinhas pequenininhas do maternal que faziam muita bagunça, e algumas ainda choravam com falta da mãe. Eu entendi o significado da palavra ‘tia’ no contexto de uma sala de aula, e me recusei a lembrar do título “professora sim, tia não” de um livro do Paulo Freire. “Professora sim, tia também!” eu pensava! Os amei de todo coração. Mas a sensação mais incrível demorou um pouco pra acontecer. Eu já entrara na faculdade e fui trabalhar em uma escola do governo. Eram crianças de onze, doze anos e bem levadas também, mas eu me divertia com eles e foi uma surpresa quando descobri que a turma era só de alunos “problemáticos”. Então, como tudo que é bom dura pouco, e dura menos ainda se depender do governo, o projeto foi paralisado por falta de verbas. Que tristeza! Deixar meus pimpolhos, e de onde agora tiraria minha alegria de viver? E aquela sensação boa depois do sinal tocar? E todas as aulas planejadas? Foi quando eu voltei a dar aula em uma escola particular. Ganhava bem melhor. Não, não ganhava. Parecia não compensar, porque eu não tinha vontade de ir, nem de montar aulas, e o tempo em sala que era menor, parecia uma eternidade. Que crueldade!
Duvido que exista coisa mais cativante no mundo inteirinho, na vida de qualquer um do que olhar de criança. E tinha uma menina de cabelos bem cacheados, bochechas bem redonda e olhos tão grandes que me chamavam atenção durante toda a aula. E que alegria ela tinha. Eu jogava minha desmotivação de lado, respirava fundo puxando todo o profissionalismo e entrava na sala, e ela aos poucos ia me guiando com seus olhões, mostrando os outros olhos, as outras alegrias e eles diziam assim com seus olhões: tia, estamos aqui e também queremos aprender! Ah, que delícia! Três ou quatros aulas depois do primeiro encontro desmotivado eu já saia da escola saltitando, com o mesmo sentimento que me impulsionava antes.
Atrizes não fazem só as peças que querem. Às vezes assumem um papel que não gostam. Mas talvez com o decorrer da peça elas acabem se apegando ao personagem, ou a platéia acaba estimulando o trabalho. Mas não são platéias como as minhas! As minhas são sempre as melhores, elas têm uns olhões...